terça-feira, 30 de outubro de 2012

Contos - Lizzi - O Lagarto

"Faz algum tempo que convivo com esta história em minha mente e finalmente pude materializá-la através das palavras a seguir. A inspiração de Lizzi - O Lagarto veio à partir de um chaveiro de lagarto que eu consegui em uma daquelas máquinas que soltam chaveiros em cápsulas quando inserimos moedas de um real. Pensei "E se esse lagarto tivesse vida? Que tipo de liberdade ele desejaria?" Escrevi este conto no começo deste ano de 2012." Daniel Vitório.


Lizzi - O Lagarto

Lizzi andava pela floresta sentindo o cheiro da grama baixa misturada com as folhas de outono, algumas tão antigas quanto suas patas desproporcionalmente grandes comparadas com seu corpo alongado de calango.
   Não que ele tivesse idade avançada, mas era um ser vivo de uma tradicional e clássica meia idade.
   Lizzi - o Lagarto, era popularmente conhecido em seu grupo composto por lagartixas e outros calangos menores.
   - Como vim parar aqui? - Sempre se perguntava.

Mas a resposta era óbvia e ele a sabia perfeitamente - seu ovo foi depositado no lugar ERRADO. Mamãe lagarto depositou os ovos em uma região dominada pelas lagartixas selvagens. Estas tinham um comportamento indiferente aos lagartos pois não havia uma concorrência por comida - os lagartos geralmente almoçavam insetos quase do tamanho de lagartixas.

E por que não, se unir às lagartixas para um banquete de mini-moscas? Um grande filé para as lagartixas, aperitivos para Lizzi e os demais de sua espécie.
Apenas o ovo de Lizzi sobreviveu após o ataque de guloseima dos guaxinins que passavam pela região. Os guaxinins não buscavam ovos, mas foi um belo café da manhã encontrá-los quase frescos no meio do caminho! Menos o de Lizzi. Lizzi deu sorte. Sorte de lagarto.
Agora ele caminhava, após a despedida não calorosa do grupo de lagartixas e calangos. Ele queria conhecer outros lugares, se aventurar pelo mundo desconhecido, quem sabe conhecer um bicho-lagarto-fêmea que muitos lhe cobravam. Cobravam como uma sociedade motivada pelo que chamavam de “três-em-um” - Nascer, se reproduzir e morrer - três em um único animal!
- Lizzi, você está ficando velho meu irmão. Não vai conseguir cumprir o maior objetivo de sua vida e poder morrer em paz! - dizia o velho Tixão, classificado pelo grupo como o grande sábio.

- Não costumo me cobrar antes de almoçar! - Costumava sempre brincar usando alguma parábola relacionada à comida. Afinal, um de seus maiores hobbies era comer!
- A vida de lagarto é algo que vai além de nossa compreensão e conhecimento - era uma outra frase muito usada por Tixão.
Mas Lizzi não se importava com o que era falado sobre ele ou sobre qualquer filosofia réptil, primitiva ou não. Ele queria a liberdade, queria connhecer outros lugares, saber como era o mundo fora da floresta limitada que ele conhecia. E, claro, se fosse o caso de formar uma família, fixar um buraco em uma árvore como território, por que não o fazer? Mas ali, sinceramente, já não era mais seu lugar.
- Mi casa é su casa bandido! - Larry - o calanguinho matreiro sempre lhe falou muito bem isso! Mas SU não significava ser a SUA casa. Disso ele sabia (e sentia) há muito tempo...
Lizzi passou por uma série de pequenos pedregulhos que mais davam dor de cabeça do que dor nas patas! Logo à frente apontava uma descida íngrime , a qual não lhe dava visão do que existia abaixo dela. Podia ver apenas o céu azul claro à  frente, aliás, muito mais claro do que ele estava acostumado. A floresta onde morou por toda sua vida era densa e cheia de árvores e não refletia muito bem a luz do sol. Esta nova visão era extremamente agradável!
Caminhou mais alguns passos desviando de algumas pedras maiores , escutou o  repetitivo canto dos pardais  nas árvores acima dele e, ao inclinar o pescoço pra frente para visualizar o que havia além da descida íngrime , levou um susto e tanto!
Visualizou alguns prédios baixos e horizontalmente alongados, um grande chão feito de aslfalto e... humanos!
Ele não sabia exatamente o que eram prédios construídos por humanos - velho Tixão comentara certa vez que os humanos construíam tocas enormes e que o número de integrantes da toca poderiam variar e muito. Além disso, os humanos nunca foram muito leais uns com os outros, o que fazia com que o número de integrantes humanos em cada uma das toca se alterasse com frequência.
Sendo a teoria diferente da prática, os humanos eram, de fato, diferentes do que ele imaginava: Maiores, menos velozes e não tão assustadores quanto imaginava!
Lizzi sempre tinha uma carta na manga - ele sabia que muitos dos humanos tinham aversão à lagartos! Ainda mais desses multicoloridos como ele era, podendo quase usar uma camuflagem integrada ao ambiente. Sou um camaleão? Uhu, quase isso!  - Ele pensava e brincava com as fortes cores de seu corpo.
Agora ele estava ali, diante de uma platéia de humanos e blocos e mais blocos de prédios! Daquele ponto os humanos não podiam ver Lizzi. Pelo menos até que ele se aproximasse um pouco mais.
- Quero me aproximar, tentar algum contato com eles, e também saber se há outros de minha espécie por lá! - Pensou. - Preciso ir com calma e … será que eles realmente não falam?
O velho Tixão havia contado uma vez que entre os animais a fala era comum mas os humanos tinham seu próprio linguajar... não existia uma maneira de tentar conversar com eles.
Já havia conversado com muitos outros animais, inclusive alguns mamíferos como macacos e morcegos (quando Lizzi era pequeno havia um cara muito engraçado, um morceguinho-rei que vivia em um minúsculo buraco nos pedregulhos mais altos em que ele INSISTIA em dizer que era uma caverna), entre alguns mais! Só não conseguia falar com insetos - insetos não falam, só zumbem, alguns emitem sons de arrebentar o cérebro mas prosear uma boa prosa... nada!
Certa vez, em uma animada partida de jogo de cartas, que era uma espécie de truco humano jogado com folhas verdes claras,  Martin - O Sapo comentou que conseguiu falar com uma mosca... ou quase isso:
- É senhores, eu ouvi uma mosca e pedi para o maldito inseto falar mais alto porra! Me parece que a mosca falou algo como “vamos nos vingar agum dia!” e sim eu cheguei a escutar essa frase mais de uma vez mas não tive paciência de ouvir se realmente foi a mosca mesmo que falou -  a mosca tagarela acabou virando meu lanche do meio dia!
- Bem, vamos voltar aos humanos - Pensou Lizzi.
Ao mesmo tempo em que os humanos tratavam os animais com respeito e carinho, também poderiam te encher de paulada e te assar na brasa!
- Mas eles devem ter algo que não temos. O conhecimento das coisas e com isso, a liberdade maior! - Pensou Lizzi.
Exatamente no instante em que lembrou disso ele escutou um estalo vindo de uma das moitas atrás dele, algo como um galho seco se partindo. Olhou para trás e nada se movia. Ele adotou uma tática de defesa (a única que conhecia) de ficar absolutamente imóvel.
Uma de suas patas dianteiras estava ligeiramente fora do solo, os olhos esbugalhados, língua atenta e corpo absolutamente parado!
Quando viu O QUE saiu de trás da moita relaxou e deixou seu corpo descontraído. Era Lairson - O Tatu, o melhor amigo de Lizzi poderíamos dizer, mesmo Lizzi não sendo tão boa companhia e não tendo grandes amigos.
- Liz, onde está indo meu camarada? Afastou-se e muito da floresta... Eu sabia que esse dia iria chegar! Você bem que falou que um dia sairia desta maldita floresta!
- Bem, estou me afastando realmente mas, Lairson, não me leve à mal... estava mesmo afim de ir sozinho se não se importa - Lizzi falou sem olhar para o Tatu.
- Caaaara, como eu poderia adivinhar? Bom, eu também tenho essa vontade louca de conhecer outros lugares sabe? Meu, tu sabe, minha Tatu me deixou, meu sentimento é de procurar coisas novas! Posso ir contigo SE-NÃO-SE-IMPORTA?
Lairson era um Tatu cujo estado civil se comparado à regra dos humanos, o mais próximo seria DESQUITADO. Sua companheira o trocou por um Tatu de outro vilarejo... maior e muito mais gordo, e pelo menos bem menos falante e igualmente menos “pegajosamente” participativo em tudo.
- Bom, eu prefiro ir somente eu sabe? Talvez seja arriscado você ir junto - retrucou Lizzi. Queria o amigo longe de suas idéias malucas -  Acima de tudo, queria ficar sozinho.
- Arriscado é comigo mesmo! Eu não tenho coragem se for sozinho mas Liz, Liz, Liz!!! Por favor cara, me dê apenas um pouco de emoção.. de um momento com meu único e melhor amigo! Depois de me divertir um pouco prometo que te deixo partir... se ainda quiser.  - A cara com que Lairson disse isso fez lembrar dos garotinhos lagartixas encenando uma peça de teatro “Meu Calango Favorito”.
- Ok, vamos descer esta ladeira e ver o que há mas não estranhe se quando você estiver dormindo não me encontrar mais! - Disse Lizzi.
- Eu vou fazer você mudar de idéia! - Retrucou Lairson.
Lizzi se esqueceu parcialmente de toda a ladainha de seu amigo e já se utilizou dele para tentar tirar algo proveitoso que fosse de seu interesse:
- Você por um acaso sabe o que tem ali embaixo? Ou já teve algum tipo de experiência com algum humano? - Perguntou Lizzi.
- Ah sim! Na verdade eu tive um pequeno contato. Meio dolorido na verdade, porque eles devem ter me confundido com um Tatu-Bola ou algo do tipo pois levei um baita chute cara! - Mas não achei de todo ruim, até PARECEU que foi sem querer, olhando esta história por outro ponto de vista e...
- Você levou um chute de um humano? - Lizzi perguntou com olhos arregalados. Ele achava incrível que um amigo próximo como Lairson já havia tido contato com humanos e nunca havia comentado com ele! Ou Lairson estava mentindo (uma mentira muito deslavada e muito conveniente neste momento, igualando a ousadia da exibição do lagarto aventureiro) ou ele poderia já começar a se sentir desprezado simplesmente pelo fato do Tatu-amigo ter se esquecido de contar uma história tão diferente e extraordinária! E para o melhor amigo!
- Bom, na verdade eu nunca contei porque achei que iriam me criticar porque não fui um Tatu cuidadoso...sabe como é, ne época estava casado e tinha os guris e...
- Tá bom, ok, TRANQUILO! - Lizzi acelerou o rumo da conversa. E como são os humanos? Podemos nos aproximar? Podemos nos infiltrar em seu território?
- Bem, na verdade cara eu não sei! - respondeu Lairson.
- Como não sabe? Você levou um CHUTE de um humano!
- Sim sim mas eu acho que eles estavam em nosso território, algo que os humanos fazem mesmo quando querem ser como você, quando querem conhecer novos territórios! - soltou uma gargalhada abafada, algo que lembrou a Lizzi o gralhar de uma ave bem velha.
- Bom, acha que seremos agredidos se um humano nos vir? - perguntou Lizzi.
- Siiim, isso sem dúvida! Mas me diga, o que quer com os humanos?
- Na verdade não quero nada, apenas... bem, apenas curiosidade... conhecer o mundo deles, acho.
Lizzi percebeu no momento desta pergunta que na realidade não queria nada com os humanos. Absolutamente nada! Conhecê-los melhor apenas por histórias seria o suficiente. Ou saber como seria a liberdade e o poder deles, como ele imaginava. O que Lizzi queria era viver esta liberdade, o que Lizzi queria era o sossego de poder ir e vir a hora que quisesse. E sabia que para isso não poderia ficar carregando seu amigo Tatu como mochileiro! Não, isso não! Se fosse pra ser assim jamais teria saído de seu mundinho verde!
- Olha Liz, você deve estar pensando em ir lá para baixo, olhar para o território dos humanos e tal mas talvez isso seja uma idéia suicida sabe? Humanos não gostam de animais e isso não é boato ou ensinamentos questionáveis como os do velho Tixão... é uma verdade que se espalha por todo o reino animal como bem sabe.
- Sim eu sei! -  E de fato Lizzi sabia, sair para a liberdade e viver na verdade a morte... não, literalmente não estava em seus planos.
- Então cara! Vamos mudar o rumo, vamos seguir o curso do rio, sem nos meter com os humanos! - Sugeriu o amigo Tatu.
-Olha Lairson, não é por mal, mas eu não esperava sair da floresta e ter que ficar ouvindo sugestões de lugares onde eu devo ou não devo ir. Se quiser voltar sinta-se à vontade ok?
- Eita Liz! Não fale assim. Ok, vou contigo mas se eu ver que está ruim a situação vou acabar sendo obrigado a dar minhas opiniões!
- Olha Lairson, você é meu amigo e eu não quero te ofender mas acho melhor MESMO você ficar aí onde está e me deixar seguir o meu caminho!
Lizzi estava perdendo a paciência! Tudo o que queria era fica sozinho! Tudo o que queria era viver o que precisava ser vivido! Ele conhecia tão pouco sobre a vida, achava que tinha vivido tão miseravelmente pouco que até aquela conversa idiota com seu amigo mais idiota ainda trazia-lhe a sensação de perda de tempo. Uma maldita droga de sensação de perda de tempo!
-  Liz, você havia concordado de eu ir contigo! - questionou Lairson espantando, os olhos beirando as lágrimas.
- Tudo bem, certo, sem mais conversas vamos descer! - Lizzi encerrou o assunto, sem dar outras oportunidades de conversar.
Cuidadosamente o lagarto e o tatu desciam a ladeira íngreme e pedregosa. Aos poucos a ladeira tornava-se mais firme, as pedras iam desaparecendo, dando lugar à uma grama rala e compacta. Qualquer humano que olhasse lá de baixo para onde eles estavam iria perceber a movimentação deles, no entanto não havia qualquer humano presente no momento.
O coração de Lizzi batia mais rápido. Lairson tinha vontade de voltar mas, por mais que tentasse, não conseguiria mais fazer Lizzi parar de rastejar, o ritmo era forte e quase louco. Em menos de 2 minutos chegaram ao asfalto.
Lizzi e Lairson não conheciam a textura do asfalto, estavam sentindo algo novo, quente e firme. Ficaram por um tempo parados, sem nada falar. estupefatos! Algum tempo depois Lairson quebrou o silêncio:
- Liz, que coisa louca cara! - O Tatu estava sem palavras.
- É...bota louca nisso. - Lizzi não sabia ao certo o que fazer em seguida.
Os dois iniciaram a caminhada beirando a calçada, acompanhando lateralmente os paralelepípedos, com medo de cruzar a rua de asfalto pois o campo ficaria demasiadamente aberto, impossibilitando qualquer mínima manobra de defesa.
Um carro de pequeno porte começou a se aproximar, vindo de frente para eles, ainda longe. Era a primeira vez que ambos estavam vendo um veículo humano. Era impressionante como neste momento figuravam em suas mentes as histórias antigas contadas pelos companheiros. Agora estas histórias pareciam apenas anedotas de um mundo completamente distante. E que em apenas meio período de caminhada eles já estavam tendo a oportunidade de vivenciar estas histórias de forma real, de forma inesperada e aventureira!
Muitas coisas se passavam pela cabeça de Lizzi. Como era possível terem ocultado este mundo dele por tanto tempo? Na verdade era bem provável que os que conviviam com ele também não conhecessem este mundo. Ó, não sacrificaremos aqueles que não são detentores do conhecimento maior! Mas a principal pergunta era: por que ninguém nunca teve a coragem de se aventurar por outras bandas? Nem mesmo Velho Tixão, com tanta experiência de vida tinha este sentimento de inquietação, nem mesmo Lairson, a porra do Tatu marrom pois, se Lizzi não tivesse a brilhante idéia de se aventurar, seu amável companheiro estaria confortavelmente instalado na floresta, mordiscando algum petisco gorduroso e sentado com sua banha em alguma pedra pré-aquecida pelo sol.
Onde está a curiosidade de se CONHECER?
De repente Lairson começou a ter um acesso de pânico ao ver o carro se aproximando:
- Não cara, Liz, vamos VOLTAR, nós vamos MORRER hahahahaha!!! - o riso era desesperador e mais desesperadamente irritante para Liz.
- Fique quieto, vamos tentar passar despercebidos! - Disse Lizzi.
- Como cara, como, como??
- Apenas... apenas fique quieto, sei lá! - Lizzi também estava com medo mas sua curiosidade sobre o mundo, sobre as coisas costumava sobrepor a qualquer outro sentimento. E a tática de defesa novamente o dominava no instinto.
O carro passou por eles lentamente. Ambos arregalaram os olhos, rodas, paralama, pára-choque... e o carro se foi, quase levando junto o coração dos bichos.
-PELAMORDEDEUS cara, o que foi isso? Ele nem quis nos pegar? - indagou Lairson.
- Nem me parecia um animal de fato, isso é algo que por alguma razão se move sozinho. - Lizzi era bem mais sensato.
Não demorou muito para o carro parar. E descer duas pessoas, cada uma por uma porta. E caminharam em direção aos animais.
Os humanos estão vindo! - Lairson apontou e começou a correr. Lizzi não conseguiu dizer mais nada, só pôde igualmente sair em disparada junto com o Tatu.
Lairson era muito lento, Lizzi conseguiu ultrapassá-lo e virava incentivando o amigo a correr mais rápido, olhou para os humanos e eles não pareciam estar correndo de forma predatória atrás deles. Eles não estavam SEQUER caminhando na mesma direção deles. Lizzi sentiu-se mais confortável, virou mais uma vez para ver onde estava Lairson e ele estava deitado no chão, o corpo dele se afastando a cada passada de Lizzi. O lagarto recuou, correu de volta para onde o Tatu se encontrava.
- Lairson, tá tudo bem? O que aconteceu?
O Tatu arfava, respirava com dificuldade, estendido de barriga para cima no chão.
- Fora de forma meu camarada! arf arf... - Lairson estava MESMO fora de forma, se uma corrida de 30 segundos já o deixou deste jeito, o que seria de Lizzi se fosse acompanhado pelo amigo durante mais tempo? Era uma situação que representava problemas e perigos para Lizzi.
No entanto, antes mesmo dos pensamentos de Lizzi serem tomados pelo questionamento acerca do mórbido amigo, o próprio Lairson se adiantou e se colocou de fora da jogada:
- Liz, eu vou voltar meu chapa! Amigos como eu podem querer seguir a sua jornada mas apenas parcialmente. Não conseguirei ir contigo até onde quer chegar. - Desta vez o Tatu foi sensato.
Lizzi sentiu uma mistura de sentimentos entre pena e motivação de poder seguir sua jornada sozinho como queria. Ajudou Lairson a se levantar. Os humanos tomaram uma direção diferente das que eles se encontravam.
- Temos que encontrar uma subida menos íngrime para que você possa voltar para a floresta - disse Lizzi.
- Ok, já estou vendo uma daqui. - Mais à frente havia uma rampa de concreto, que fazia parte de uma das laterais de um sistema de escoamento de água em forma de escada, contruído pelos humanos para se evitar o empoçamento de água nas partes superiores.
- Se cuida meu amigo - Disse Lizzi com um sorriso.
- Desejo-lhe o mesmo Liz! Se você não morrer passe na minha toca e me  encha a cabeça com as histórias desta aventura sem sentido!
- Certamente Sr. Tatu! - Concluiu Lizzi, o Tatu fez uma reverência e saiu sem maiores abraços, comentários ou considerações.
Essa atitude foi, de certa forma, diferente para Lizzi. O Tatu insistente cedeu lugar ao Tatu objetivo e sensato. Foi a primeira vez que Lairson se portou desta maneira, em toda a sua vida.
Os dois amigos iam se afastando a cada passo, cada um em uma direção diferente. Lizzi olhou o Tatu subindo lentamente a ladeira de concreto. Não pôde deixar de sentir uma certa tristeza. O Tatu sequer olhou para ele. A preocupação de Lairson limitou-se exclusivamente a voltar para sua toca.
Quando Lairson saiu das vistas de Lizzi, o sentimento que ficou não foi de perda mas de mudança. Lizzi iria recomeçar e precisava pensar logo para onde deveria ir.
Atravessou a rua asfaltada, chegou à lateral de um prédio de tijolos alaranjados e encontrou um buraco perfeito logo na parte mais baixa da parede. Lizzi foi checar o buraco para saber se poderia de alguma forma dar uma espiada para dentro do prédio. Tinha conhecimento de que os humanos utilizavam estas construções de prédios como tocas e uma espiadinha neles era tudo o que queria fazer no momento.
Se expremeu para entrar no buraco que parecia muito menor agora, patas à frente, contorção e, de forma magnificamente expremida, Lizzi finalmente conseguiu passar.
O caminho seguia de forma única, com uma curva fechada à esquerda. Lizzi já estava quase desistindo de continuar se expremendo quando seu focinho bateu em uma grande de ralo, fina, suja e fria.
- Caminho de rato mesmo, só podia ser! - Pensou Lizzi.
Lizzi estava em um buero, com o focinho encostado na grade e de lá conseguia observar o fluxo de humanos: Alguns conversavam de forma entusiasmada, outros tomavam bebidas em copos plásticos. Vestindo roupas engraçadas, os humanos-machos com línguas de pano anexada no peito, as humano-fêmeas de longos cabelos e vestimentas menores. A dinâmica de observação dos humanos fascinou Lizzi!
Os humanos não podiam ver Lizzi (ou pelo menos não notavam a presença de seus olhos na grade do ralo de escoamento).
Este buraco recém-encontrado foi adotado por Lizzi como ponto de observatório. Ali perto, do lado de fora do prédio existia uma toca mais confortável para Lizzi descansar e ele adotou esta outra toca como uma casa temporária - Ele queria observar os humanos por mais tempo.
O que Lizzi tinha visto é um prédio comercial, um local de trabalho dos humanos. Todos os dias Lizzi ia para o buraco, observava os humanos e voltava para sua toca sem nunca ser pego.
Observou o homem magro e calvo convocar reuniões de trabalho, chamando outros humanos-suordinado a entrarem na “roda”.
Observou a mulher fofocar de sua amiga para outra mulher e dizer como a vida da outra está melhor do que a dela.
Observou três amigos conversando, um dizendo que gostaria muito de ter um carro igual ao do seu chefe.
Observou a faxineira feliz cantarolando em alguns dias, chorando em outros dias, deprimida na maioria dos demais dias...
Lizzi começou a traçar o perfil dos humanos em sua mente: Eles queriam ter coisas, eles queriam ter poder, eles queriam ter famílias perfeitas e empregos diferentes, eles não queriam estar ali, e, grande parte das vezes, eles não queriam nada.
Lizzi se lembrou de sua antiga toca na floresta. Lembrou-se do velho Tixão, lembrou-se de Lairson, lembrou dos sapos jogando cartas, das conversas sem sentido e da vida matreira e boêmia. Comparou com a liberdade que estava tentando encontrar nos humanos. Comparou com a sua liberdade atual e de que TIPO de liberdade ele tinha na floresta.
Lizzi voltou para sua casa na floresta, para sua toca. Um sentimento de grande epifania se apoderou dele - Lizzi esta feliz pela primeira vez em toda sua vida!



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