"Este á o último capítulo da série de mini-contos Nostalgia. Afinal, algumas histórias precisam de um ponto final..."
Depois de longas curvas e boas cantadas de pneu, finalmente minha estrada segue firme e reta, deliciosamente plana e com paisagens encantadoras, sobre o famigerado sobe-e-desce de morros, agraciado pela vegetação rasteira, árvores centenárias, plantações de arroz e gado por toda a parte.
Sigo com meu velho Volkswagem Passat 76, inteiraço por fora, totalmente meia boca por dentro e absolutamente confortável demais para rodar por estas estradas de interior.
Estou sozinho, exceto pelo som do carro, que toca uma música de Janis Joplin - "Summertime", entoando sua maravilhosa voz rouca de depressão amorosa - sigo sem destino apenas pela curtição de sentir o vento na cara e relaxar minha mente. Quero curtir ou apenas fugir? Pior do que sentir que morrerei com esta dúvida, é ter a absoluta certeza disso.
Já fumei um maço inteiro de Marlboro Gold, tomei duas Coca-Colas e continuo seguindo, sem fome, parando apenas para abastecer. Com o estômago vazio o sentimento de nostalgia se faz mais presente, as lembranças afagam e sossegam meu ego, me traz de volta para um tempo que jamais retornará e que mesmo assim faço questão de trazer tudo à tona e viver uma suposta vida paralela, uma vida de sonhos. Perfeita!
O motor do carro está zumbindo seus giros constantes. O Sol está projetado alto, forte e quente. Os vidros estão abertos e o som do vento também é alto, sendo que o som do carro tem que ser ainda mais alto para que ganhe a competição de sons e eu possa ouvir alguma coisa! Olho para o assento do banco do passageiro. Um enorme rasgo na lateral do acabamento expõe a espuma de um estofado amarelado. Na época em que o banco do passageiro ainda estava inteiro, ali se sentava a dona de meus pensamentos e do meu coração... Ela, que não está mais aqui comigo em minha vida!
Gabrielle costumava viajar comigo em meu Passat, colocava seus óculos escuros e me olhava com um sorriso sem-vergonha, longos cabelos claros voando ao vento, uma boca carnuda e doce como o mel. Muitas vezes estávamos ali, nos pegando mesmo com o carro em movimento ou então parávamos em algum beco para assim darmos mais liberdade para as nossas malucas mãos e insaciáveis corpos!
Desviei meu olhar novamente para a estrada que continuava seguindo reta, sem desvios e sem outros carros por perto. Olhei novamente para o lado do passageiro, que estava vazio há tempos, mas que agora estava triste e terrivelmente abandonado. Maldita hora em que fui me lembrar... dela! De seu perfume burrifando minhas narinas com o vento do carro, de seu jeito de curtir uma boa balada Rock n' Roll saido dos auto-falantes, de suas pernas perfeitas agraciando minha visão a cada subida ousada de seu vestido, acima dos joelhos, acima da coxa e subindo...
160 Km / hora...
Conseguia me lembrar de tudo isso de uma forma tão clara e perfeita, como se ainda estivesse ali, a visão de Gabrielle em minha vida. O que eu não consegui ver foi a curva se aproximar, chegar e me surpreender. Sem tempo de virar o volante, meu carro saiu da pista, desceu um pequeno morro e bateu com o capô fincado na terra e capim, levantando a parte traseira do Passat, protagonizando na sequência várias capotadas, todas praticamente em linha reta.
Senti meu corpo se lançar contra o vidro frontal, estilhaçando e lançando-me para fora do carro. Eu via tudo em câmera-lenta, como os detalhes de um fime de faroeste onde segue-se todo o detalhe do trajeto da bala até atingir o alvo. Vi o carro rodopiando o no ar, acima de mim. Minha cabeça bateu no chão e ali eu permaneci... Imóvel.
A última coisa que pude ouvir foi o som da música do carro, já distante e cada vez mais fraco. Era Janis falando diretamente pra mim. Era o final de sua rouca canção...
No, no, no, no, no, no, no, no, no,
Don't you cry...
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