Quando eu ainda era um adolescente espinhento escrevi um texto parecido com este a seguir, uma redação para a escola, que deve ter ficado perdida entre a pilha de redações que minha professora de português avaliou. Tentei reproduzir aqui a idéia e a lembrança, mas alerto que minha nota não foi muito boa... =(
Eu já havia caminhado durante muito tempo neste mercadão infernal de coisas, lojas, barracas e vendedores que caminhavam em meio ao povão, que queria aproveitar a oportunidade de comprar mais barato, comprar para revender ou comprar por comprar mesmo! Todo mundo quer comprar alguma coisa, qualquer coisa! O importante é estar lá no meio da muvuca! Um milhão de pessoas em um espaço para dez! Exagero pra quem está de fora, total modéstia para quem está no meio.
Eu já havia caminhado durante muito tempo neste mercadão infernal de coisas, lojas, barracas e vendedores que caminhavam em meio ao povão, que queria aproveitar a oportunidade de comprar mais barato, comprar para revender ou comprar por comprar mesmo! Todo mundo quer comprar alguma coisa, qualquer coisa! O importante é estar lá no meio da muvuca! Um milhão de pessoas em um espaço para dez! Exagero pra quem está de fora, total modéstia para quem está no meio.
Um calor descomunal, ainda bem que saí de casa usando uma bermuda e uma velha camiseta estampando uma propaganda de partido político, roupas (trapos) totalmente desgastadas e confortáveis! Muito embora o chinelo de dedo não tenha me ajudado em nada, o pé todo suado, escapando pelas laterais somente para pisar no asfalto imundo, tomando pisada no dedo de tudo quanto é lado e vamos lá... torcendo pra não quebrar o chinelo!
Carrego 7 sacolas de tranqueiras em minhas duas mãos, três na mão esquerda e quatro na mão direita, enquanto "gingo" meu corpo para os lados para poder dar um passo à frente, tentar chegar a última barraca, a única que têm o incrível material secreto, a única dona dos artefatos mais preciosos do universo: Calças Jeans originais pela metade do preço!
Minha esposa já disparou na frente, rumo à loja-mágica das calças, e nem mesmo fez a “gentileza” de me esperar"! Sei que se eu infartar aqui ela só saberá o que aconteceu alguns dias depois... como achar um pé-rapado como eu caído na multidão? A ambulância nem mesmo conseguiria entrar no meio do povo, teria que ser uma mobilete com uma sirene ou carrinho de golfe com um cara robusto usando uma camisa polo, onde sua voz seria abafada pelo som de vendedores gritando suas frases decoradas e repetitivas! Aliás, quem pode me dizer que já foi de encontro a um certo vendedor APENAS porque ele grita ter para vender justamente o que você precisa?
Vendedor: - Olha a alça de siliconeee para sutiããããã, três por dez!!! Alça de silicone, alça de silicoooooneeeeEEE.
Eu: - Meu amigo, você caiu do céu, alça de silicone era tudo o que eu estava precisando! Uhu!
Não, isso não acontece...
O fluxo de pessoas parou, a caminhada parou, algo travou no meio do caminho e ninguém mais anda! Tento esticar meu pescoço pra saber o que está havendo, quando do nada, SUBITAMENTEtodos começam a ANDAR! Neste exato momento alguém pisa no calcanhar da porra de meu chinelo e quando eu movimento minha perna para frente, o chinelo estoura e some, como se um buraco negro o estivesse tragado, no meio de uma multidão de pés e pernas e eu com a cabeça abaixada tentando achar algum pedaço de borracha do que deve ter sobrado do chinelão. Ótimo! Agora eu tenho um pé descaço, estou cheio de sacolas na mão, sem minha esposa, perdido na multidão e talvez perdido para sempre! Um triste destino para um pobre homem pé de chinelo! Ou pé sem-chinelo! Ou um pé com chinelo e outro pé ainda com... AINDA com! Morrer no meio de uma muvuca não é um destino muito confortável.
Solto uma bufada, uma grande e desabafada BUFADA, acompanhada de um urro de desaprovação e nervosismo. Um homem de meia idade bem barbeado e cabelos grudados de gel pousa a mão em meu ombro e me diz, com uma voz grossa e serena:
- Amigo, você precisa de Jesus na sua vida! Nada te perturbará se você verdadeiramente....
- Todos nós aqui no meio deste formigueiro precisamos de Jesus, não acha? Cacete! Que ele tire todos nós deste inferno e já! – desabafei... e juro que me senti um pouco melhor, sério.
O homem nada mais falou e tentou mudar de direção. Eu estava farto, cansado, sem chinelo, sem esposa e sem paciência! E agora perdido, não sabia mais onde estava a loja-mágica onde podemos comprar as maravilhosas calças jeans pela metade do preço!
Quis chorar, quis gritar mas fiquei quieto como um cãozinho abandonado. Não iria dar barraco, não iria enlouquecer neste lugar. Não, vocês não terão minha vida, minha alma e meu coração... hahahaha não sou POSSE de vocês, ruas infernais, lojas infernais, vou sobreviver a mais uma mega-liquidação de natal! Ahahahaaaaaa...
Percebi que já estava pensando em voz alta, muita gente já me olhava com um sorrisinho no rosto ou cara de espanto. Sou louco né? Louco! Acho que é isso mesmo, sou um LOUCO e todos vocês são NORMAIS por estarem aqui! Mas isso eu não falei, só pensei.. lógico, não sou louco!
Notei que faltava uma sacola na mão direita, contei e tinha ao todo seis sacolas, alguém tinha vindo do inferno e me roubado uma sacola! Fui roubado e nem percebi! Também, com este monte de gente, se tivessem me levado embora uma costela ou um braço inteiro eu não teria percebido!
Isso quase acabou comigo, quase que eu definhei ali mesmo. Foi quando uma voz mágica me chamou, a voz mais familiar de minha vida, minha salvação e minha Deusa - minha esposa me chamou, com uma bela e serena voz de anjo:
- Amadeuuuu!! AMADEUU!! Ainda está aí??? Faz meia hora que já comprei as calças!!!
- Oi linda, ainda bem que me procurou, estava tentando te achar e...
- Amadeu, cadê minha sacola dos cosméticos??
- Acho que alguém me roubou, eu estava...
- Não dá pra contar contigo mesmo né Amadeu? Você é muito desastrado, desatento! Devia ter vindo sozinha mesmo e blá blá BLÁ!
Pois é, minha salvação chegou e eu pude respirar aliviado, certo de que sairia desse lugar o mais rápido possível. E se alguém me perguntar se eu volto aqui mais uma vez, eu provavelmente direi que sim, para continuar mantendo minha paz e serenidade e ser salvo outras vezes por minha esposa.
Afinal a vida é assim mesmo não é?