quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Ensaio - O Testamento


"Se hoje estivesse vivendo meus últimos dias certamente escreveria para o mundo estas palavras. Não sou ninguém para julgar o que é certo ou errado, o que fazer ou não fazer, tive muitos altos e baixos em minha vida. Hoje sou muito feliz com a vida que tenho e o senso do curioso observador me acompanha cada vez mais de perto. - Daniel Vitório"


Johnny Cash relembrou de tudo antes do fim
Minha vida está quase no fim.

Posso sentí-la esvair-se de meu corpo, de minha mente e espírito. Sei que minha hora se aproxima e sinto-me confortável com esta idéia. Vivi uma boa vida.

Tive a oportunidade de ver muitas coisas acontecerem, observei os homens e a natureza, aprendi grandes lições dia após dia e, se me fosse permitido acrescentar mais alguns dias em minha vida, teria aprendido ainda mais.

Neste momento não gostaria de narrar como foi minha trajetória pessoal, isso seria apenas uma contemplação de minha existência, algo a ser desfrutado de forma egoísta por alguém que não tem mais tempo pra isso. Quero apenas deixar algo para aqueles que continuarão depois de mim.

Sei que vocês podem precisar de referências sobre o meio em que vivi, pois muito ou tudo à respeito do ângulo do observador se deve ao meio onde este está inserido. Uma casa pode ser bela ou amedrontadora, tudo depende do ponto de vista. No entanto peço-lhes que justifiquem meus fins apenas como um ato isolado de observação e aprendizado, desconsiderando a demagogia de classes sociais, estilos de vida ou outros adjetivos usados para classificar um ser humano.

Isso porque esta classificação humana, seja de status social, porte físico ou bens materiais é algo que está enraizado em nosso ser. Crianças pequenas já são seletivas quanto aos amigos e parentes que lhe forneçam benefícios. Isto é só apenas um exemplo de hereditariedade comportamental humana.

Eu vi o homem simples, um trabalhador braçal viver para o trabalho por toda a sua vida e não conseguir atingir sua meta pessoal de ter uma boa casa com um belo veículo. Este perdeu a sua vida porque não a desfrutou enquanto vivia. Não temos como evitar o trabalho, e isto nem seria algo digno. Tente entender o que você precisa para conseguir viver bem e de forma simples. O progresso e o capitalismo traz pobreza e sofrimento pois nem todos irão conseguir sobreviver neste modelo.

Aprendi que a verdadeira vida deve ser vivida no presente, nunca se apegando a um passado que já foi ou a um futuro incerto. Mas a verdade é que talvez nem com 500 anos de existência possamos nos tornar sábios sobre este assunto!

Eu vi muitas disputas por poder, envolvendo dinheiro e política, envolvendo status, envolvendo condições sexuais, favoritismos na aparência física e na aparência da conta bancária, nos valores dos bens materiais. Preocupações em ser sempre mais, em ter sempre mais. Não deixe sua vida correr em prol a estes favoritismos, seja você mesmo e pode conseguir alguma amizade verdadeira, algum amor verdadeiro. Isso te
fortalecerá. As conquistas materiais são como algemas de ouro que te prendem. Quanto menos conquistas materiais mais livre você se torna!

Caminhei em meio à natureza, descobri que muito das árvores e plantas que eu estava acostumado a ver todos os dias foram inseridas ali de forma artificial, para embelezar um lugar que nunca tinha sido assim. Um dia esta mesma natureza será contemplada através de dispositivos eletrônicos móveis artificiais que observam figuras geradas à partir de um retrato artificial. Consiga algum lugar natural para meditar e contemplar a Natureza. Por enquanto ainda há estes tipos de lugares, ninguém sabe até quando.

Conheci muitas pessoas que se tornaram mestres em algumas tarefas, pessoas admiráveis que alcançaram notáveis conquistas. O difícil foi encontrar pessoas que estavam sendo verdadeiras consigo mesmas, que aprenderam tais maravilhas através da paixão de seu ser pois a pressão psicológica do meio onde vivem, a exigência de se conhecer e se reconhecido ofusca o que o coração deseja aprender na simplicidade do querer. Observe a diferença de aprender por precisar aprender e aprender porque simplesmente se quer
aprender por paixão. Muitas vezes a paixão se une com o que é necessário, e isso é um fato maravilhoso!

Aprendi que nossos filhos são o presente mais rico que podemos receber nesta vida. Devemos cuidar deles pois a eles foi oferecida a oportunidade de viver e devemos lhes prestar todo amor e cuidado. Sobre sua família e seu amor vale à conservação, devemos ter o sentimento sereno mesmo nas situações mais difíceis e saber que ainda somos uma única pessoa mesmo que sejamos tentados a agradar a todos ao redor.

Consumi muitas carnes de animais, até que uma lenta reflexão aliada a um sentimento como consequência de uma epifania se instalou sobre minha mente. A maneira como os homens tratam os animais como máquinas, "fabricando" animais para alimentar a mesa dos ricos, consumindo recursos do planeta para manter um padrão de exagerado consumismo.Faz muito tempo que o sacrifício animal não é mais uma mera questão de sobrevivência da espécie e sim um luxo de não se ter que matar os animais pra comer. Tendo condições financeiras teu bife virá à sua mesa sem que você precise entender o impacto no planeta e o sofrimento de seres vivos envolvidos nesta operação até o destino final de nossa casa.
Logo haverá mais gente com fome, testemunhe isso para seus descendentes.

Vi pessoas fanáticas religiosas, doando suas vidas em fé. Detentoras do monopólio do assunto Deus, absolutamente fechadas para aceitarem outras opiniões quando muitas vezes gostariam de estabelecer suas opiniões sobre outras pessoas de diferentes credos.
Aceitando duvidosas regras morais sem questionamento, estas ainda carregam por gerações este grande câncer da humanidade.

Também vi o músico, o poeta, o escritor, o artista, pessoas que tentaram expressar suas criações por meio de suas habilidades, muitas vezes conformados em saber que receberão uma baixa quantia por isso, apenas para se manterem vivos. O que artisticamente mais fácil se vende, é aquilo que é mais facilmente aceito pela massa. Sendo assim, não preciso comentar o nível de qualidade artística consumida pela maioria. Muitas vezes o artista têm outras ocupações não artísticas para se manter ou vende seus trabalhos artísticos sob demanda de encomenda mas o verdadeiro artista nunca o deixa de ser.

Mas ainda sim vivi coisas grandiosas, convivi com pessoas incríveis que carimbaram seus nomes em meu coração, visitei lugares de natureza esplêndida e vivi o melhor dos amores. Estas coisas são as que verdadeiramente vivemos e é algo que cada um de nós pode avaliar o tamanho do agrado em nosso coração.

Sendo assim, se eu tiver direito de deixar um legado final peço-lhe que seja um observador, que questione as regras que engrenam o mundo e pare de fazer coisas de forma automática. À partir daí as descobertas se tornam maravilhosas e passamos a viver de forma mas verdadeira. A vida fica mais interessante de ser vivida.

Um breve adeus aos loucos que ainda continuarão por mais algum tempo nesta terra!
E um grandioso adeus a esta natureza que tudo move e sempre permanece!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Gliese - Primeiros Movimentos

"Gostaria de compartilhar um trecho de uma história que têm invadido minha mente. Tenho a idéia de poder escrever um livro sobre ela, em homenagem às maravilhosas histórias de ficção científica. A idéia de Gliese é insana e tenho muito, mas muito mesmo a contar. - Daniel Vitório."

                                                              Capítulo I - O Despertar

A luz começou a invadir seu ser por entre seus olhos semi-cerrados.
Ela respirou profundamente, o estado de exagerada sonolência estava em seu máximo. Sentia um cansaço descomunal, qualquer movimento muscular era praticamente impossível de ser executado. Percebeu-se imóvel como se tivesse sido dopada, atropelada.
Estava deitada, isso ela tinha certeza!
Começou a se esforçar para lembrar, fazer com que as imagens se projetassem em sua mente. Todo esse processo e esforço começou a assustá-la e não conseguia se lembrar de nada, de onde estava, o que se passou, se estava dormindo, se estava em sua própria cama, em um hospital ou mesmo se tinha sofrido um acidente!


E com o coração disparando tentou vencer a imobilidade, ergueu seu pescoço projetando sua nuca a poucos centímetros do travesseiro. Sim, ela percebeu que estava em uma cama mas não se lembrava de como foi parar ali.
Após lutar por quase uma hora para se mexer, em meio a suores frios e a sensação de uma leve brisa em seu rosto, conseguiu, de forma vagarosa, enfim abrir os olhos, os dois juntos, em sincronia. As primeiras imagens que se formaram estavam embaçadas, de uma forma impossível de cegueira nebulosa. Tons de cinza escuro rodeavam as imagens, era difícil imaginar onde poderia estar, seu coração bombava ritmos alucinantes, tentando desesperadamente pulverizar vida para seu corpo paralítico.
Entre leves e úmidos piscares de cílios a imagem foi ficando cada vez mais nítida. Sua cabeça latejava, o corpo todo doía, os músculos se contraíam a cada esforço, a cada mínimo esforço.
Começou a identificar o mundo ao seu redor - E seu espanto foi ficando cada vez maior com o que viu!
De fato ela se identificou em uma cama de hospital, ao menos pensava ser isso, mas o local ao seu redor estava completamente destruído! A única luz que iluminava o ambiente era uma luz acizentada vindo do lado de fora... lado de fora? Foi quando percebeu um imenso buraco na parede, grande o bastante para a passagem de um caminhão e que era de lá que vinha a luz e a brisa. Havia lâmpadas mas não havia luz. Uma cortina rasgada, em tons claros e de textura transparente se encontrava no alto da parede esburacada e tremeluzia ao vento.
Devia ter acordado de um coma profundo mas em uma situação incrivelmente terrível, um cenário aterrorizante e abandonado.
Havia muita poeira, em todos os cantos, prateleiras quebradas, armários destruídos, paredes rachadas e tudo absolutamente cinza, um cenário apocalíptico, devastador e assustador. Um verdadeiro Caos!
- Como vim parar aqui? Socorro.... esboçou um grito mas o que saiu foi apenas um grunhido baixo.
Começou a ofegar, tentar se mexer, era absurdo como era difícil mesmo já conseguindo esboçar alguns poucos movimentos.
Não havia ninguém no cômodo e absolutamente nenhum som de pessoas ao redor.
Ela olhou pelo buraco de onde vinha o leve sopro de brisa. Era impossível distinguir o que havia lá, tudo estava arruinado em destruição e poeira! Pensou se estava em um local que explodiu, ou que foi parcialmente demolido. Mas como? Como foi parar neste lugar devastador?
Um acidente, com certeza foi um acidente.
Ela tinha que se levantar dali. Percebeu que usava roupas de hospital, na tonalidade verde-claro, alguns rasgos eram visíveis e evidentes. Nela não haviam sondas médicas, não haviam aparelhos nem esparadrapos ou qualquer coisa que indicasse que ela estava sendo tratada de alguma enfermidade.
A mobilidade ia voltando, o cansaço aumentando. A respiração foi ficando mais controlada. Expressava muitos grunhidos ao realizar os movimentos do corpo. Conseguiu colocar-se sentada, a realização de algo incrível em um período de tempo imensurável!
Ela precisava ficar em pé. Abandonou os pensamentos, queria andar, descobrir onde estava.
E ainda não se lembrava de nada, e isso é o fato que mais a assustava!
Havia uma mesa aparentemente em bom estado ao lado da cama em que ela se encontrava. Esticou o braço direito em direção à mesa, na tentativa de obter um apoio para descer da cama, firmar as formigantes pernas que aos poucos ganhavam vida. Sentia o sangue fluir em cada extremidade do corpo magro e pálido. Não se lembrava de como era fisicamente, mas se viu magra demais, esquelética!
Foi se arrastando até a mesa, virou o corpo contra a cama na tentativa de desçer de bruços. Ao realizar o movimento de descida sentiu o chão ao seus pés mas não haviam forças suficientes para manter em pé o peso de seu corpo. Se apoiou nos cotovelos fazendo força contrária, para cima, mas não conseguiu segurar e caiu no chão, de costas.
Estou incrivelmente fraca.
Ela arfou, sofrendo a dor da pancada de suas costas contra o chão. Virou-se de bruços se arrastando-se na poeira do chão, poeira de construção, uma poeira cinza de um local destruído!
Tentando dobrar os joelhos enquanto se arrastava, se locomovia em direção ao grotesco buraco na parede rumo brisa que lhe dava vida, algo um pouco mais puro a se respirar em meio ao caos!
Se arrastou até a borda do buraco, dobrou os dois joelhos e foi tentando se levantar, com muito esforço, sempre apoiada em algo, até que se firmou, em pé apoiada na borda da abertura na parede, olhando para fora.
O que viu foi algo que pareceu o cenário de um pesadelo, não conseguiu conter seu espanto e as batidas de seu coração pulsava aterrorizada: Viu o que sobrou de uma avenida morta, coberta de poeira, postes de luzes caídos, carros com carcaças queimadas, alguns poucos prédios destruídos os que ainda “pareciam” prédios - pensou, sem vidros e muito entulho para todos os lados. O céu estava nebuloso, cinza, não conseguia ver nuvens, tudo o que via acima dela era um rastro de poeira como se um meteoro de proporções astronômicas tivesse acertado o planeta e todo o pó ainda estivesse presente na atmosfera.
E o pior de tudo: Estava absolutamente sozinha! Nenhuma viva alma em volta, nem pessoas, nem animais, nem vegetação...apenas a leve brisa que parecia ser a única coisa a se mover por ali. O ar estava impregnado de sujeira mas ainda sim conseguia respirar sem muita dificuldade.
Seu corpo ia voltando a vida, já conseguia arriscar alguns pequenos passos, escorada até onde conseguia se locomover, acompanhando a parede do lado de fora do local onde estava.
Quanto tempo se passou desde que acordou? 1 hora? 10 horas? Impossível precisar.
O que aconteceu? Uma guerra, só pode ter sido. Por que simplesmente não consigo me lembrar?
Demorou até que ganhasse confiança de caminhar sem apoio, mas conseguiria fazer isso, sim conseguiria fazer isso mesmo estando em um estado de absoluta fraqueza.
Conseguiu dar seus primeiros passos. Tremia compulsoriamente a cada movimento. Olhando tudo ao seu redor, toda a destruição, esqueletos do que um dia foram casas e edifícios, ferros contorcidos de carros, uma rua larga, possivelmente movimentada antes da destruição? O que houve com este lugar?
Andou por cerca de 50 metros. Arriscou gritar se havia alguém ali. Gritou com toda a força de seus pulmões, a voz era fraca e rouca, embora tenha saído um som audível em tom abafado.
Subitamente se aterrorizou com o  pensamento que se desenhou em usa mente: Estou viva mas por quanto tempo? Vou morrer, se não houver ninguém aqui vou morrer, devo estar doente.
Pensou se tudo isso não era um pesadelo, que iria acordar e se descobrir em sua casa, suada em sua cama, em seu quarto... que quarto? Eu tinha uma casa?
Uma lágrima escorreu em seu rosto. Ela sabia que o desespero não poderia tomar conta de seu ser. Precisava se recompor.
Respirou fundo.

O estado de dormência de seu corpo havia cessado. Estava fisicamente bem e caminhava pela rua. Notou que em meio a toda destruição não conseguia ver nenhum traço de humanidade, nem mesmo corpos? Pessoas mortas?
A cada passada o chão machucava seus pés descalços mas ela nem se importava. Gostaria de poder se lembrar, sabia que tinha uma vida, havia uma vida antes deste pesadelo, tentou se lembrar a época desta vida. O ano que apareceu em sua mente eu ua recordação esporádica foi como um trovão inesperado de uma tempestade ainda longe de começar. Ano de 2042, sim, ela começou a se recordar quando uma voz pronunciou uma palavra desconhecida em sua mente, como alguém gritando em seu ouvido em profundo desespero: Gliese.